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Presidente do CNS defende o SUS, mas reconhe que ele está em xeque

O Conselho Nacional de Saúde (CNS) começou em março uma campanha em defesa do Sistema Único de Saúde (SUS), dando início a sua caravana pelos estados brasileiros para discutir com a população o atual modelo do sistema, com seus acertos e desacertos.

O presidente do CNS é o farmacêutico potiguar, nascido em Pau dos Ferros, Francisco Batista Júnior, que trabalha no Hospital Giselda Trigueiro, da rede pública de saúde de Natal.

Nos quase 70 anos de existência do conselho, Francisco Júnior foi o primeiro presidente eleito por um colegiado e não mais presidido pelo ministro da Saúde.

Membro da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Seguridade Social da Central Única dos Trabalhadores (CNTSS-CUT), Júnior como é mais conhecido integra o CNS desde novembro de 2004, como representante titular da sua entidade.

Graduado e pós-graduado em Farmácia pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e secretário de Formação da CNTSS, o presidente da CNS em suas idas e vindas a Natal concedeu uma entrevista ao site do CRO-RN, onde falou da caravana em defesa do SUS, corrupção na saúde e colocou a falta de gestão como causa da crise na saúde do município de Natal e também no Estado.

Leia a seguir a entrevista com o presidente do Conselho Nacional de Saúde (CNS) em uma de suas viagens a Natal para discutir a crise da saúde na capital potiguar.

Como você analisa a saúde no país, e como fazer para que o dinheiro que o governo aplica no setor, que são cerca de R$ 50 bilhões, cheguem realmente para atender a população e que muitos desses recursos não sejam alvo de desvios, de corrupção?

Francisco Júnior – Primeiro nós temos que reconhecer que temos um problema de base, que é histórico e cultural. E que problema de base histórico e cultural é esse?

O Estado Brasileiro sempre foi apoderado por grupos organizados. Então na nossa história, o Estado Brasileiro sempre foi rateado, sempre foi privatizado por corporações e grupos. A historia nos mostra claramente isso.

E nos diversos setores que constituem o Estado, praticamente não existe exceção. As denuncias que são feitas sistematicamente no nosso país mostram que, por exemplo, o próprio poder judiciário não é imune às influências de grupos organizados e privados.

Então não existe exceção. Os espaços legislativos, muito menos. E a saúde não é uma ilha de excelência. A saúde faz parte exatamente desse contexto.

O que tem acontecido concretamente com o SUS, especificamente, nós do Conselho Nacional de Saúde, que fizemos inclusive em janeiro um grande debate, que teve como resultado o diagnóstico da situação e a definição de movimentos a serem efetivados com a perspectiva de superar as dificuldades – percebemos primeiro que o Sistema de Saúde é um sistema que de forma absolutamente inquestionável presta um serviço inestimável a toda a população brasileira.

Se nos hoje formos a qualquer serviço público de saúde nos percebemos quão importante são esses serviços para a população.

Qualquer hospital público hoje que nós vamos chegar e vamos encontrar pessoas sendo tratadas, sendo curadas, sendo reabilitadas, tendo a sua qualidade de vida garantida de alguma forma. Numa regra que não é comum pelo resto do mundo.

São poucos países do mundo que tem esse tipo de garantia universal do atendimento da sua população, indistintamente no serviço público de saúde.

Agora, nos temos absoluta clareza que exatamente pelo fato de termos como pano de fundo um Estado privatizado por grupos organizados, é que o SUS enfrenta dificuldades que, nosso entendimento, se não forem enfrentadas imediatamente, ele pode ser inviabilizado num curto espaço de tempo.

O SUS hoje está em xeque. Nós estamos dizendo isso. E está em xeque por quê?

Porque nesses 20 anos de existência, exatamente para atender os interesses dos grupos organizados, tudo foi feito de forma diferente do que deveria ser, do que manda a Constituição, do que manda a nossa legislação.

Qual seria a Solução que o CNS está propondo ao ministério da Saúde, enfim, ao governo Federal?

Francisco Júnior – Resgatar os princípios do sistema naquilo que consideramos seus eixos estruturais. Que eixos estruturais são esses?

Primeiro: começar a combater ao ‘apoderamento’ da saúde pública por grupos e a impunidade que reina em todo o país.

O governo Federal deverá repassar este ano de 2009 para financiar a saúde em todo o país aproximadamente entre R$ 46 e 50 bilhões, que é uma soma considerável que o ministério da Saúde repassa e não acompanha o seu desenlace, não acompanha a sua utilização, não fiscaliza, não pune, não estabelece critérios de avaliação, então tá errado isso.

Nós temos uma prática de impunidade que é absolutamente contraproducente e contraditória o Sus, como proposta teórica e revolucionária, inclusive.

Você acha que existe muita corrupção hoje na saúde, principalmente na parte de compras de equipamentos, medicamentos e etc., já que de vez em quando aparece na mídia, e não existe uma fiscalização, nem se vê uma punição exemplar para os culpados?

Francisco Júnior – Foi isso que eu coloquei para o ministro na última conversa que tive com ele. Nós do CNS, exatamente por entender que o quadro é de muita dificuldade, aprovamos a realização durante todo o ano da primeira caravana nacional em defesa do SUS.

Nós vamos viajar todos os Estados da federação, fazendo um grande debate político na perspectiva de resgatar os princípios do SUS.

E resgatar os princípios do SUS para nós significa combater a corrupção, que é endêmica e que é sistêmica, significa defender a profissionalização da gestão contra a ingerência política-partidária, contra a nomeação por apadrinhamento, contra a indicação de políticos, estamos defendendo a profissionalização da gestão, estamos defendendo o financiamento democrático e transparente, democratizado.

Então, a população, através dos conselhos de saúde, tem que definir onde os recursos serão aplicados e não os gestores definirem onde serão aplicados, de acordo com interesses particularizados.

Entendemos a necessidade de fortalecermos os serviços eminentemente público-estatais. É impossível qualquer rede de serviço funcionar sendo dependente como hoje estamos dependendo do setor privado contratado.

A história já provou: não existe no mundo nem um exemplo de país que tenha um serviço de saúde focado, pautado no sistema privado que funcione bem.

É impossível sob o ponto de vista financeiro ser viabilizado um sistema como esse.

O país que mais gasta com saúde no mundo são os Estados Unidos da América, onde tudo é privatizado. E onde existem 45 milhões de norte-americanos excluídos da possibilidade saúde, já que tudo é privado.

Tanto é verdade que o atual presidente Barack Obama está com uma proposta muito interessante de investir pesado na possibilidade de viabilizar a universalização do atendimento na saúde dos norte-americanos.

Então, nos avaliamos que este é o momento, ou melhor, para falar a verdade, já passou do momento, a corrupção endêmica, a corrupção sistêmica, a utilização de recursos de forma absolutamente desrespeitosa e contraproducente, a utilização da saúde como fonte de empreguismo e locupletação, de acomodação, tudo isso para nós já deveria ter sido extinto.

Como não foi extinto, nós do CNS resolvermos fazer essa caravana nacional e vamos visitar todos os estados da federação. Já temos uma agenda marcada, que começou com o lançamento da caravana em Brasília, depois fomos ao Maranhão e Ceará, mas vamos tentar cobrir dentro de determinados estados algumas regiões, que são econômica e politicamente importantes. Enfim, vamos cumprir o papel que é de competência nossa mesmo.

E essa caravana, no final, o que ela pretende de concreto trazer ao público e ao governo? Enfim, que soluções você acha podem ser obtidas com essa caravana?

Francisco Júnior - O primeiro objetivo da Caravana é trazer a população para o debate. A população não pode ficar a mercês do que está acontecendo. A população não pode ficar somente reclamando da corrupção sem ser um ator prioritário desse debate nas reivindicações. E, conseqüentemente, na defesa do sistema.

Então, a população tem que entender que o sistema como está estruturado está inviabilizado, e que ela está pagando um preço muito alto por isso, e pode pagar um preço maior ainda com sua extinção em definitiva. Então esse é o primeiro objetivo da caravana.

O segundo objetivo, é a partir dessa mobilização, dessa conscientização, dessa participação popular massiva e envolvendo atores que têm o poder de decisão política, os parlamentos estaduais e municipais, o parlamento federal, o executivo, a idéia é que nós possamos realmente construir instrumentos que possibilitem a reversão de tudo isso.

O combate à corrupção, a profissionalização da gestão, o financiamento democrático e transparente, a inversão do modelo de atenção, onde nós possamos ter no Brasil efetivamente um sistema de saúde e não exatamente de doença, pois é o que nós temos hoje infelizmente após 20 anos de sistema.

A proposta é inversa, termos sistema de saúde onde as pessoas tenham a possibilidade de não ficarem doentes. É isso que a gente defende, essa é a tese, esta é a proposta do SUS. E a gente acha que este ano é um ano muito importante, porque no próximo ano tem eleições gerais.

E todo esse movimento poderá desaguar como uma grande campanha muito similar a Assembléia Nacional Constituinte de resgate dos princípios do SUS.

Quanto a crise na saúde de Natal, inclusive uma comissão do CNS já esteve com a prefeita, o que está faltando para colocar um ponto final nesse problema envolvendo médicos, prefeitura e governo do Estado?

Francisco Júnior - Gestão. Está faltando a gestão que priorize a estruturação da rede pública e não deixe a população refém do setor privado.

Hoje qualquer cidadão norte-riograndense que precise de um procedimento eletivo mais especializado, cai nas mãos do setor privado contratado.

Como o financiamento é sempre insuficiente para bancar o setor privado e vai ser sempre insuficiente, as pessoas são obrigadas a esperarem em filas durante seis, oito, dez meses, um ano, dois anos para fazer um procedimento.

Isto só acabará quando nós tivermos serviços públicos atendendo de porta aberta, atendendo tantas pessoas quanto forem necessárias. O que não é possível no atual modelo de contratação.

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