Medicamentos para crescer e regenerar dentes: entenda o que dizem as pesquisas

Cientistas indicam que já é possível estimular o desenvolvimento da terceira dentição e a regeneração de dentes que perderam estrutura por causa de lesões de cárie, porém ainda há um longo período de estudos e testes antes de as drogas serem liberadas para o uso em consultório
Recentemente, diversos veículos da imprensa nacional e internacional divulgaram a notícia sobre o desenvolvimento de uma nova medicação que chega com a promessa de promover o desenvolvimento de estruturas dentárias, incluindo a possibilidade de crescimento completo de novos dentes. Apesar de as manchetes parecerem carregadas de sensacionalismo, o CFO Esclarece que a informação é verdadeira. Ela deve, no entanto, ser tratada com cautela, uma vez que os estudos ainda estão em andamento, não havendo conclusões sobre a eficácia do uso em humanos ou dos seus possíveis efeitos colaterais.
O medicamento, que vem sendo desenvolvido no Japão, por pesquisadores do Hospital da Universidade de Kyoto, tem o objetivo de promover o nascimento de novos dentes em adultos. Desde 2009, os cientistas do país asiático estudam formas de produzir uma terceira dentição e, após testes positivos em camundongos e furões, as pesquisas avançaram agora para fase de comprovação de eficácia e segurança nos seres humanos.
Os testes clínicos começaram em setembro de 2024, com foco inicial em crianças que sofrem de agenesia dentária congênita, condição caracterizada pela ausência de um ou mais dentes, que ocorre principalmente na dentição permanente, sendo a anomalia que mais acomete o ser humano. A expectativa dos pesquisadores é de que os em alguns anos os testes sejam concluídos e o tratamento esteja disponível para o uso pelo público em geral.
Como funciona?
O medicamento pesquisado atua bloqueando a proteína USAG-1, que impede o desenvolvimento de dentes adicionais. Ou seja, com a inibição da ação dessa proteína, seria possível estimular o nascimento de novos dentes. As pesquisas indicam que o medicamento pode, dessa forma, permitir a erupção dentária em pessoas que não possuem um conjunto completo de dentes permanentes devido a fatores congênitos. Os estudos estão sendo conduzidos com voluntários que têm pelo menos um dente ausente, sendo que um dos grandes desafios dos pesquisadores é compreender como direcionar o crescimento para a área da gengiva onde há espaço, sem afetar os outros dentes.
Estudos no Reino Unido buscam regeneração dental
Paralelamente aos estudos japoneses, cientistas do Reino Unido também estão pesquisando métodos para regenerar tecidos dentários danificados pela cárie. Uma abordagem que utiliza microRNAs (miRNAs), ou seja, pequenas sequências de RNA que possuem papel fundamental em tecidos ósseos que se regeneram. Embora ainda seja embrionária a aplicabilidade desse método, a pesquisa abre caminho para novos tratamentos, dentro da já existente teoria de mínima intervenção, que possam curar lesões de cárie sem a necessidade de restaurações.
Os pesquisadores ingleses do King´s College de Londres desenvolveram uma substância química, a Tideglusib, que é comprovadamente segura quando usada nos tratamentos clínicos de pacientes com Alzheimer. Os cientistas agora buscam aplicá-la também nas práticas odontológicas. Em testes com ratos, a droga estimulou células da polpa dental promovendo a regeneração natural dos dentes e reparou danos.
De acordo com o jornal britânico “The Telegraph”, os cientistas da instituição chegaram à conclusão de que a Tideglusib atua nas células-tronco da polpa dos dentes e produz uma nova dentina que fica sob o esmalte do dente. A substância aumentou a atividade de células-tronco na polpa dental dos roedores e fizeram reparos em buracos de 0,13mm nos dentes.
Os pesquisadores britânicos colocaram o fármaco em um pequeno pedaço de esponja biodegradável e inseriram na cavidade do dente, provocando o desencadeamento do crescimento da dentina e, consequentemente, o reparo do dano em um prazo de seis semanas. As pequenas esponjas são feitas de colágeno, que derretem com o passar do tempo.
“Importante destacar que essa substância desenvolvida pelos pesquisadores britânicos só estimula a estrutura dentária quando está em contato com a polpa, ou seja, com o nervo do dente. E nem toda lesão de cárie atinge o nervo, então, ainda que o medicamento seja aprovado no futuro, haverá uma limitação do uso”, esclarece o cirurgião-dentista e odontopediatra José Carlos Pettorossi Imparato, professor da Faculdade de Odontologia da Universidade São Paulo (FOUSP) e da Faculdade São Leopoldo Mandic, além de conselheiro do Conselho Regional de Odontologia de São Paulo (CRO-SP).
Medicamentos deverão ser indicados por cirurgiões-dentistas
Se os medicamentos forem aprovados para comercialização, os tratamentos deverão ser indicados e acompanhados nos consultórios odontológicos. José Carlos Imparato esclarece que o cirurgião-dentista será o profissional que vai definir se o uso da medicação é indicado ou não, a depender do quadro clínico e características de cada paciente. Ele esclarece que a aplicabilidade prática das drogas em desenvolvimento dependerá de muitas variantes
“A meu ver, a opção de fazer crescer um dente será utilizada prioritariamente em situações de perdas precoces, como por exemplo, por cárie ou trauma. Além de casos de doenças que normalmente são associadas a ausências de dentes, como a anodontia, hipodontia, oligodontia ou agenesia. Já a regeneração, será indicada apenas quando houver exposição do órgão poupar, em que se colocaria o produto diretamente em contato com o nervo para que possam ocorrer a recuperação da área acometida pela cárie”, complementa Imparato.
Preservar os dentes ainda é a melhor solução
O cirurgião-dentista Luiz Rodolfo May, que tem atuação focada na análise de notícias e combate às fake News na Odontologia, ressalta que as ações de preservação da saúde bucal, com bons hábitos de higiene e consultas periódicas aos cirurgiões-dentistas, continuam sendo o melhor aliado na prevenção de futuros problemas bucais.
“Não é porque existe a oportunidade de o paciente vir a ter uma terceira dentição, só tomando um remédio, que a pessoa vai descuidar da higiene bucal. É importante lembrar que esse novo dente para nascer, precisa estar em um ambiente saudável. Se tiver uma gengiva inflamada, dentes próximos com tártaro ou moles, com infecção ou inflamação naquela região, com certeza a nova dentição vai ser afetada”, pontua Luiz Rodolfo May.
Perspectivas para o futuro
O cirurgião-dentista José Carlos Imparato destaca que as inovações apresentadas pelas pesquisas japonesas e britânicas não significam o fim dos tratamentos odontológicos convencionais e sim, abrem um novo leque para as possibilidades para a Odontologia, proporcionando novas opções de atendimento e conforto aos pacientes.
“As perspectivas apresentadas pelas pesquisas são interessantíssimas. São duas possibilidades que não colocam em risco nenhuma especialidade da Odontologia. Mesmo que elas existissem hoje no mercado, ainda assim teríamos as outras especialidades, como por exemplo, a Implantodontia para implantar dentes ou a Dentística, a Odontopediatria, a Prótese, entre outras”, complementa.
Para o cirurgião-dentista Luiz Rodolfo May, as técnicas apresentadas nas duas pesquisas podem significar avanços importantes para a Odontologia em um futuro próximo, com a possibilidade de regeneração natural do dente, sem necessidade de uso de material sintético. Ele destaca que, caso aprovados, os medicamentos virão para somar e aumentar a lista de opções de tratamento disponíveis aos pacientes.
“O dentista vai poder sentar com o seu paciente e abrir um cardápio maior de procedimentos e oferecer desde um implante, que no caso pode ser mais interessante até que um remédio, a depender de cada caso, até uma regeneração e obviamente, a gente precisa vender saúde e prevenção. Então acho que eles são procedimentos a mais que aumentam as nossas possibilidades e melhoram ainda mais o exercício da profissão”, afirma o cirurgião-dentista.