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Poeta e cordelista Antônio Francisco foi atração no Sarauterapia do CRO-RN

Poeta e cordelista Antônio Francisco foi atração no Sarauterapia do CRO-RN
O auditório do CRO-RN ficou lotado para ouvir o poeta Antônio Francisco

O Sarauterapia do CRO-RN nesta última quarta-feira, 22, recebeu um convidado para lá de especial, o poeta e cordelista mossoroense Antônio Francisco Teixeira de Melo. Artista popular que escreve, declama e conta piada, ele encantou a todos os presentes no auditório lotado.

Veja as fotos do sarau clicando aqui

O poeta Antônio Francisco, na sua sensibilidade e humildade, declamou seus versos e contou várias piadas, além de ter feito um dueto com outro artista popular, Jadinho Lima, que juntos declamaram o poema “Meu Sertão”, de autoria do primeiro.

Outro momento especial do sarau foi quando o ator, poeta, contador de histórias e recreador, Josivan Alves, fez uma apresentação da poesia "Os Animais têm Razão", de autoria de Antônio Francisco, que elogiou a performance do cólega.

“Gostei, ficou melhor que minha apresentação desta poesia”, disse o poeta mossoroense, dando um abraço em Josivan, que usou máscaras simbolizando os animais que habitam o imaginário de Antônio Francisco, numa fábula com sete animais: porco, cachorro, cobra, burro, rato, morcego e vaca.

Neste poema o mestre dos cordéis Antonio Francisco faz uma crítica ao homem com humor. Na fala dos bichos, o cachorro assim se manifesta: “Eu nunca vou entender/ Porque o homem é assim:/ Se odeiam, fazem guerra/ E tudo quanto é ruim/ E a vacina da raiva/Em vez deles, dão em mim”.

O presidente do CRO-RN, Gláucio de Morais, que participou deste sarau especial, agradeceu a presença de Antônio Francisco, elogiando seu trabalho de cordelista e poeta, lembrando que foi na gestão do ex-presidente Ricardo Sá (2005/2006) que o Conselho abriu suas portas para um evento que valoriza a cultura popular e é um momento de congraçamento das pessoas que comungam o gosto pela poesia, pela música e literatura.

Coordenador do sarau, o cirurgião-dentista Rubens Azevedo, presidente da Sociedade Brasileira de Dentistas Escritores, considerou a apresentação do mossoroense como “momentos mágicos com o grande Antônio Francisco e os talentosíssimos poetas da SPVA (Sociedade dos Poetas Vivos e Afins do Rio Grande do Norte) que fazem acontecer duas vezes por mês o sarauterapia do CRO-RN”.

Para o poeta Emanoel Iohanan, da SPVA, o mestre cordelista é “uma grande figura da cultura potiguar” que abrilhantou o Sarauterapia numa noite especial para todos que assistiram a sua apresentação.

Depois da sua apresentação, com declamação de suas poesias e contando piadas, o mestre cordelista autografou livros e seus cordeis.

Na quinta-feira, Antônio Francisco tinha uma nova apresentação, desta vez na Universidade Federal do Rio Grande do Norte, para os professores da instituição. 

Para quem não conhece, o poeta Antônio Francisco, filho de Francisco Petronilo de Melo, um ex-jogador de futebol da década de 40 e 50, e Pêdra Teixeira de Melo, nasceu em Mossoró em 21 de outubro de 1949, mas somente aos 46 anos tomou gosto pela poesia e se tornou um autor. O pai era jogador em Natal e foi transferido para um clube de Mossoró, onde conheceu a sua mãe.

Segundo ele, antes foi sapateiro, confeccionava placas e depois tomou gosto para escrever, tendo como pano de fundo a fome, as injustiças sociais, o meio ambiente do sertão.

“Uma vez eu estava aqui em Natal e uma pessoa me perguntou: ‘você só faz verso que fala de fome, injustiça, só o lado social?’ Eu não sei fazer outra coisa a não ser o que eu sinto”, respondeu o poeta.

Ao chegar em casa, meio desconfiando, Antonio Francisco conta que escreveu “O Poema que não fiz”, que começa assim:

“Poeta, você devia era escrever um poema falando dos rouxinóis, do sapo e da seriema, dos raios da lua cheia, ou do sapato sem meia, do boêmio vagabundo, em vez de ficar quebrando a cabeça nas injustiças do mundo.”

O poema que Antônio Francisco declama em 4 minutos termina falando de tudo, numa mistura de poesia lúdica e de protesto.

Mesmo tendo começado tardiamente a escrever, Antônio Francisco é um poeta e cordelista reconhecido pela sua produção literária, com vários estudos acadêmicos de sua obra.

Em 2006, ele foi eleito para a Academia Brasileira de Literatura de Cordel (ABLC)  na cadeira de número 15, cujo patrono é “Patativa do Assaré”, o poeta cearense que tem o nome Antônio Gonçalves da Silva. Para alguns, o mossoroense pela qualidade de seus textos é o “Pativa do Assaré” do século 21.

LEIA ABAIXO DOIS POEMAS DE ANTONIO FRANCISCO

"POEMA QUE NÃO FIZ"

Poeta, você devia era escrever um poema falando dos rouxinóis, do sapo e da seriema, dos raios da lua cheia, ou do sapato sem meia, do boêmio vagabundo, em vez de ficar quebrando a cabeça nas injustiças do mundo.

Deixe de falar de fome, de guerra, poluição, aquecimento global, de roubo, corrupção.

Fala um poema da chuva, das lágrimas de uma viúva transbordando de saudade, é melhor que fica em vão tentando tirar a máscara da humanidade.

Quem fala assim não conhece o meu tanto de vontade de escrever um poema falando da liberdade, do relâmpago faiscando no céu e fotografando a cabeleira da serra.

Da semente do melão estrebuchando no chão, rachando o bucho da terra.

Da força dos pés do vento batendo no mar bravio, dos peixes cortando as asas da correnteza do rio...

Da lua da cor de prata se banhando na cascata como se fosse um cristão.

Do sol nascendo e cobrindo Upanema e descobrindo as belezas do sertão.

Mas quando eu vou escrever, que eu ouço o grito da serra, na palma da mão da lei, cortando a roupa da terra, perco de repente a lua no brilho fosco da rua tentando brilhar em vão.

Deixo o poema esperando e vou seguindo o comando da voz do meu coração e gritando pare, pare as pernas do motor serra.

Por quê? Porque destruir a roupa de nossa serra, por que transformar agora milhões de árvores da flora numa única plantação?

Por que mutilar a vida da terra com pesticida em nome da produção?

Pare, olhe, escute e sinta o grito da natureza no peixe morto na praia, no lodo da correnteza e pare de humilhar, de caçoar e zombar das obras do criador, destruindo vale e serra, rasgando o couro da terra na espora do trator.

E quando eu acho que estou gritando alto de mais, volta de novo à vontade que eu tinha deixado atrás de falar dos pirilampos dando rasantes no campo e soltando estrelas no chão.

Da seca se arrastando pelo Nordeste e queimando a carcaça do sertão.

Fala da cor do vestido da primeira namorada, da pancada da biqueira numa lata enferrujada.

Das asas do beija flor igual a um ventilador cortando as asas do vento.

Do sertanejo valente descascando a terra quente atrás do seu alimento.

E quando penso que vou iniciar meu trabalho, vejo um menino descalço na rua sem agasalho.

Ai eu perco outra vez .

Té, métrica, rima, hora, mês.

No labirinto profundo do poço de minha mente, vou gritar novamente no pé do ouvido do mundo:

Quebre o olho da ganância, cale a boca do canhão, aprenda a amar o próximo abrindo a palma da mão.

Percam este medo de amar e invés de engravidar de ódio o ventre da terra, plantem nela amor e paz para a terra não parir mais droga, arma, fome e guerra.

E assim vivo batendo nas teclas do mesmo tema esperando uma brechinha para escrever meu poema.

Mesmo assim, sem conseguir esta brecha, eu vou pedir por minha vontade infinda de trabalhar noutro tema.

Palmas para o meu poema que não escrevi ainda.

"OS ANIMAIS TÊM RAZÃO "

Quem já passou no sertão

E viu o solo rachado,

A caatinga cor de cinza,

Duvido não ter parado

Pra ficar olhando o verde

Do juazeiro copado.

 

E sair dali pensando:

Como pode a natureza

Num clima tão quente e seco,

Numa terra indefesa

Com tanta adversidade

Criar tamanha beleza.

 

O juazeiro, seu moço,

É pra nós a resistência,

A força, a garra e a saga,

O grito de independência

Do sertanejo que luta

Na frente da emergência.

 

Nos seus galhos se agasalham

Do periquito ao cancão.

É hotel do retirante

Que anda de pé no chão,

O general da caatinga

E o vigia do sertão.

 

E foi debaixo de um deles

Que eu vi um porco falando,

Um cachorro e uma cobra

E um burro reclamando,

Um rato e um morcego

E uma vaca escutando.

 

Isso já faz tanto tempo

Que eu nem me lembro mais

Se foi pra lá de Fortim,

Se foi pra cá de Cristais,

Eu só me lembro direito

Do que disse os animais.

 

Eu vinha de Canindé

Com sono e muito cansado,

Quando vi perto da estrada

Um juazeiro copado.

Subi, armei minha rede

E fiquei ali deitado.

 

Como a noite estava linda,

Procurei ver o cruzeiro,

Mas, cansado como estava,

Peguei no sono ligeiro.

Só acordei com uns gritos

Debaixo do juazeiro.

 

Quando eu olhei para baixo

Eu vi um porco falando,

Um cachorro e uma cobra

E um burro reclamando,

Um rato e um morcego

E uma vaca escutando.

 

O porco dizia assim:

– “Pelas barbas do capeta!

Se nós ficarmos parados

A coisa vai ficar preta...

Do jeito que o homem vai,

Vai acabar o planeta.

 

Já sujaram os sete mares

Do Atlântico ao mar Egeu,

As florestas estão capengas,

Os rios da cor de breu

E ainda por cima dizem

Que o seboso sou eu.

 

Os bichos bateram palmas,

O porco deu com a mão,

O rato se levantou E disse:

– “Prestem atenção,

Eu também já não suporto

Ser chamado de ladrão.

 

O homem sim, mente e rouba,

Vende a honra, compra o nome.

Nós só pegamos a sobra

Daquilo que ele come

E somente o necessário

Pra saciar nossa fome.”

 

Palmas, gritos e assovios

Ecoaram na floresta,

A vaca se levantou

E disse franzindo a testa:

– “Eu convivo com o homem,

Mas sei que ele não presta”.

 

É um mal-agradecido,

Orgulhoso, inconsciente.

É doido e se faz de cego,

Não sente o que a gente sente,

E quando nasce e tomando

A pulso o leite da gente.

 

Entre aplausos e gritos,

A cobra se levantou,

Ficou na ponta do rabo

E disse: – “Também eu sou

Perseguida pelo homem

Pra todo canto que vou.

 

Pra vocês o homem é ruim,

Mas pra nós ele é cruel.

Mata a cobra, tira o couro,

Come a carne, estoura o fel,

Descarrega todo o ódio

Em cima da cascavel.

 

É certo, eu tenho veneno,

Mas nunca fiz um canhão.

E entre mim e o homem,

Há uma contradição

O meu veneno é na presa,

O dele no coração.

 

Entre os venenos do homem,

O meu se perde na sobra...

Numa guerra o homem mata

Centenas numa manobra,

Inda tem cego que diz:

Eu tenho medo de cobra.”

 

A cobra inda quis falar,

Mas, de repente, um esturro.

É que o rato, pulando,

Pisou no rabo do burro

E o burro partiu pra cima

Do rato pra dar-lhe um murro.

 

Mas, o morcego notando

Que ia acabar a paz,

Pulou na frente do burro

E disse: – “Calma, rapaz!...

Baixe a guarda, abra o casco,

Não faça o que o homem faz.”

 

O burro pediu desculpas

E disse: – “Muito obrigado,

Me perdoe se fui grosseiro,

É que eu ando estressado

De tanto apanhar do homem

Sem nunca ter revidado.”

 

O rato disse: – “Seu burro,

Você sofre porque quer.

Tem força por quatro homens,

Da carroça é o chofer...

Sabe dar coice e morder,

Só apanha se quiser.”

 

O burro disse: – “Eu sei

Que sou melhor do que ele.

Mas se eu morder o homem

Ou se eu der um coice nele

É mesmo que estar trocando

O meu juízo no dele.

 

Os bichos todos gritaram:

-“Burro, burro...muito bem!”

O burro disse: – “Obrigado,

Mas aqui ainda tem

O cachorro e o morcego

Que querem falar também.”

 

O cachorro disse: - “Amigos,

Todos vocês têm razão...

O homem é um quase nada

Rodando na contramão,

Um quebra-cabeça humano

Sem prumo e sem direção.

 

Eu nunca vou entender

Por que o homem é assim:

Se odeiam, fazem guerra

E tudo o quanto é ruim

E a vacina da raiva

Em vez deles, dão em mim.”

 

Os bichos bateram palmas

E gritaram: – “Vá em frente.”

Mas o cachorro parou, Disse:

– “Obrigado, gente,

Mas falta ainda o morcego

Dizer o que ele sente.”

 

O morcego abriu as asas,

Deu uma grande risada

E disse: – “Eu sou o único

Que não posso dizer nada

Porque o homem pra nós

Tem sido até camarada.

 

Constrói castelos enormes

Com torre, sino e altar,

Põe cerâmica e azulejos

E dão pra gente mora

E deixam milhares deles

Nas ruas, sem ter um lar.”

 

O morcego bateu asas,

Se perdeu na escuridão,

O rato pediu a vez,

Mas não ouvi nada, não.

Peguei no sono e perdi

O fim da reunião.

 

Quando o dia amanheceu,

Eu desci do meu poleiro.

Procurei os animais,

Não vi mais nem o roteiro,

Vi somente umas pegadas

Debaixo do juazeiro.

 

Eu disse olhando as pegadas:

Se essa reunião

Tivesse sido por nós,

Estava coberto o chão

De piúbas de cigarros,

Guardanapo e papelão.

 

Botei a maca nas costas

E saí cortando o vento.

Tirei a viagem toda

Sem tirar do pensamento

Os sete bichos zombando

 

Do nosso comportamento.

Hoje, quando vejo na rua

Um rato morto no chão,

Um burro mulo piado,

Um homem com um facão

Agredindo a natureza,

Eu tenho plena certeza:

Os bichos tinham razão.

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